O caderno Ciência e Meio Ambiente do Jornal do Commercio, domingo, 08 de maio de 2001, folha 5, trouxe a seguinte matéria:
“Mata ciliar é solução para as inundações”.
Fiquei muito animado com a notícia! No momento, o novo Código Florestal é discutido no Congresso Nacional, promovendo a tentativa de reduzir as áreas de preservação de florestas em margens de rios (mata ciliar), por grupos cujos principais interesses são egoístas e que ignoram as necessidades e sofrimentos coletivos, além do imperativo da preservação ambiental.
Ao mesmo tempo, vemos se multiplicarem os desastres ambientais, a exemplo das enchentes, enxurradas, inundações e deslizamentos de terra, em 2010 e 2011, atingindo Pernambuco, Alagoas, Região Serrana do Rio de Janeiro e outras regiões do Brasil, como as regiões Sul, Centro-Oeste e Norte, com mortes e grande número de pessoas desalojadas e desabrigadas. Muitas dessas pessoas estão desabrigadas desde desastres ocorridos anteriormente ao último registrado. E, não bastasse a tragédia humanitária e as perdas de vidas, os brasileiros em geral, toda a nação, têm de arcar com o incalculável custo de recuperação e reconstrução daquilo que foi destruído. É bom lembrar que as populações mais pobres são aquelas que geralmente sofrem as principais conseqüências dos desastres, aqui e em todo o mundo.
Os artífices do novo Código Florestal argumentam que não há “provas científicas” que justifiquem a manutenção da mata ciliar!
Me poupem, ilustres parlamentares!
Quando se trata de segurança e sobrevivência da humanidade, prevalece o princípio da segurança e torna-se desnecessário provar o óbvio, o ululante. Na dúvida, preserve!
Mas, ainda assim, o cientista ambiental André Alcântara, sob a orientação do pesquisador Ricardo Braga, com apoio da Sociedade Nordestina de Ecologia e com financiamento pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, provou para os céticos, inconseqüentes e egoístas que a mata ciliar precisa ser protegida:
“a vazão da água é bem maior em áreas cultivadas que em áreas florestadas”.
Mas o que isso significa? A tabela a seguir ilustra os resultados e alcance do estudo:
Local |
Vazão (l/s por km2) |
Oxigênio dissolvido na água |
Necessidade de tratamento da água para consumo |
Estação 01 – Próximo da nascente: rio margeado por floresta Atlântica |
24,7 |
Acima do necessário para a água ser considerada própria para consumo | Necessita apenas cloração |
Estação 02 – Rio cercado por agricultura de subsistência e mata em regeneração |
62,6 |
Próximo do mínimo necessário para a água ser considerada própria para consumo | Necessita de tratamento completo |
Estação 03 – Margens ocupadas por pasto e canavial |
177,6 |
Muito abaixo do mínimo necessário para a água ser considerada própria para consumo | Necessita de tratamento completo |
Ou seja:
“em áreas cultivadas, a vazão do rio é sete vezes maior que nas áreas florestadas”, pois onde havia pasto e cana a vazão chegou a 177,6 litros.
Traduzindo, em termos práticos, acrescento aqui uma pequena contribuição ao debate:
Quais são os municípios pernambucanos (e provavelmente também alagoanos) mais atingidos pelas enchentes em 2010 e 2011? Quais as suas principais formas de exploração e uso do solo, conforme dados de 2010?
Município |
Situação de desastre ambiental em 2010 e 2011 |
Densidade demográfica (hab/km2) |
Taxa de urbanização (%) |
Renda per capita |
Taxa de analfa-betismo – 15 anos e mais (%) |
Principal cultura -agrícola e pecuária (maior valor da produção em R$ e maior efetivo dos rebanhos, respectivamente) |
Água Preta | Calamidade Pública | 60,84 | 56,61 | 65,5 | 39,60 | Cana-de-açúcar e bovinos |
Barreiros | Calamidade Pública | 174,49 | 83,42 | 93,22 | 30,76 | Cana-de-açúcar e bovinos |
Catende | Calamidade Pública | 182,82 | 76,33 | 104,19 | 33,94 | Cana-de-açúcar e bovinos |
Cortês | Calamidade Pública | 122,94 | 63,45 | 74,18 | 36,09 | Cana-de-açúcar e bovinos |
Jaqueira | Calamidade Pública | 129,22 | 61,57 | 65,03 | 39,94 | Cana-de-açúcar e bovinos |
Maraial | Calamidade Pública | 62,46 | 70,03 | 60,57 | 42,77 | Cana-de-açúcar e bovinos |
Palmares | Calamidade Pública | 176,71 | 78,76 | 134,47 | 27,78 | Cana-de-açúcar e bovinos |
Primavera | Calamidade Pública | 122,24 | 63,84 | 84,88 | 32,67 | Cana-de-açúcar e bovinos |
Xexéu | Calamidade Pública | 127,18 | 65,04 | 64,99 | 43,94 | Cana-de-açúcar e bovinos |
Quer mais? Veja a tabela completa, ao final, incluindo municípios em situação de emergência.Dados: http://www.bde.pe.gov.br/ArquivosPerfilMunicipal |
São justamente aqueles municípios que têm os tipos de agricultura e pecuária apontados como tendo maior vazão em decorrência das chuvas. Não bastasse a pesquisa sobre vazão menor em áreas com preservação de matas ciliares, realizada em Pernambuco, acrescentam-se os dados acima, que são óbvios, ululantes!
O que possuem em comum os municípios de Pernambuco, em estado de calamidade pública, em decorrência das enchentes em 2010 e 2011? (pode incluir também aqueles em situação de emergência)
a) Cana-de-açúcar como principal cultura agrícola;
b) Criação de bovinos em pastagens como principal atividade agropecuária;
c) Geralmente possuem elevadas densidades populacionais (é provável que este seja um dos principais componentes dos graves desastres ambientais!);
d) Geralmente possuem elevado percentual de urbanização;
e) Geralmente possuem baixa renda “per capita”;
f) Geralmente possuem elevados percentuais de analfabetismo entre jovens e adultos, ao qual podemos somar o analfabetismo funcional.
Todos esses fatores estão relacionados entre si e também com baixos IDH (índice de desenvolvimento humano), péssimos indicadores de saúde, elevado desemprego, grande violência e outras mazelas.
Neste contexto, é difícil esperar o exercício efetivo da cidadania. Ainda mais, esperar que essas pessoas pensem e lutem pelo meio ambiente, se não percebem que as suas condições de vida estão associadas a todos esses fatores. Suas crianças e jovens mal podem freqüentar as escolas, com estradas e pontes esburacadas, enlameadas ou interrompidas pelas sucessivas enchentes, além do ainda existente trabalho infantil.
É o alto preço cobrado devido à opção histórica pela monocultura, ocupação e exploração desordenada do solo e abandono educacional das pessoas!
Certamente que a cultura da cana-de-açúcar e a pecuária têm sua importâncias para as pessoas. E certamente que há municípios com cana-de-açúcar e bovinos como principais atividades agropecuárias e que não estão em estado de calamidade pública, e vice-versa. Mas as realidades de Pernambuco e Alagoas são sintomáticas.
Estudos “científicos” de associação de causa e efeito entre múltiplos fatores, tais como fatores ambientais, sociais, econômicos e culturais não são fáceis, tampouco estarão isentos de críticas quanto aos seus alcances e validades. Porém, deixo esta proposta para os pesquisadores em geral, para que realizem vários estudos científicos envolvendo essas temáticas, com grandes promessas de recompensa para a humanidade.
Finalmente, do que foi exposto até então, algumas soluções emergem como óbvias:
– É necessário preservar, recuperar e ampliar a mata ciliar e as florestas em geral. Precisamos de um NOVO Código Florestal que preserve e aumente as florestas, não precisamos de um pernicioso código florestal que proclame a sua dizimação e exploração irracional. Mas, acima de tudo, precisamos desenvolver uma consciência coletiva de respeito ao meio ambiente e à coletividade, que vá além do dever ser das leis, que faça acontecer. Afinal, de “boas” leis o Brasil está cheio. Faltam os bons costumes;
– É necessário educar as pessoas, libertando-as dos grilhões que as prendem à exploração política e à miséria. Educação e cidadania têm de sair dos discursos vazios e mentirosos de candidatos irresponsáveis e despreparados, tornando-se resultados concretos por intermédio de administradores públicos profissionais, competentes e comprometidos com a coletividade;
– É necessário diversificar as culturas agrícolas e pecuárias, explorando-as de forma respeitosa à preservação do meio ambiente e recursos naturais, assim como adequada às necessidades das pessoas, de suas famílias e de suas coletividades;
– É necessário fixar os homens e suas famílias no campo, provendo terra e condições adequadas para a produção agropecuária sustentável. Enquanto consumidores, deveríamos assumir compromisso de compra junto aos agricultores familiares, que teriam a certeza de continuidade de suas atividades, permanecendo no campo. Enquanto governo, aplica-se o mesmo. Aliás, isto já é feito pelo Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (PAA), que em Pernambuco, atualmente, adquire da agricultura familiar e distribui com as famílias atingidas pelos desastres;
– É necessário reduzir a urbanização e os grandes adensamentos populacionais. Devemos falar em interiorização das populações, mas também creio que devemos perder o medo de falar em controle de natalidade e sobre o controle do crescimento populacional!