Que tal experimentar um dia sem carro, apenas caminhando? Você vai se sentir muito bem!

Em Recife/PE tornou-se um suplício as idas e vindas do trabalho. Quer você esteja em um ônibus ou se deslocando de carro, você vai gastar horas e horas do seu precioso tempo no trânsito lento da cidade. E como o tempo é o nosso bem mais precioso, que passado, não volta mais, cabe buscarmos alternativas para melhor utilizá-lo.

Em poucos anos, a quantidade de veículos aumentou enormemente em nossos centros urbanos. Uma matéria publicada no Diário de Pernambuco (de Carolina Khodr), em 05/12/2010, proporciona interessantes reflexões sobre o assunto. “Cidade grande, perigo idem”: duplica o risco de infarto quanto alguém está preso em um engarrafamento, pois respira-se mais poluentes, além do estresse. São comentários do pesquisador da USP, Paulo Saldiva, médico e estudioso de poluição ambiental. Quanto maior a poluição nas cidades, menor a expectativa de vida. Aumentam as mortes por câncer de pulmão, doenças respiratórias e infartos.

Note-se que o transporte coletivo nunca foi prioridade na maioria das cidades do Brasil. Resultado: desperdício de tempo e de combustível, prejuízo para a economia, poluição do ar e sonora, estresse e menos tempo para fazer o que realmente importa para cada um de nós: estar com a família, exercitar-se, trabalhar, dedicar-se ao lazer, etc.

Um trecho que normalmente seria percorrido em 10 minutos, hoje reclama de nosso tempo 20, 30, 40 minutos ou mais, se você não morar muito longe do trabalho. Parece pouco, mas não é. Imagine um acréscimo de 10 minutos em cada trecho de deslocamento. Ida e volta são mais 20 minutos diários, quase 2 horas a mais gastas por semana, cerca de 7 horas despendidas a mais por mês e quase 4 dias por ano no interior de um veículo. Preso em um carro ou em um ônibus, pouco podemos fazer além de ouvir música, um audio livro, além de sofrer o eventual stress com o trânsito, o qual requer total atenção para evitar acidentes, se você estiver dirigindo. É possível usar melhor esse tempo? Creio que sim.

Moro a cerca de 4km do trabalho, de carro. Hoje gasto entre 20 e 40 minutos a cada ida ou volta. Saindo antes das 7:00h e voltando antes das 17:00h, o tempo tende a encurtar. Um colega gasta 15 minutos de bicicleta, buscando vias menos utilizadas pelos veículos. Mas temo essa alternativa, pois os motoristas não respeitam ciclistas nem pedestres, e quase não temos ciclovias, ao contrário de alguns países que valorizam muito mais o pedestre e a bicicleta. Decidi então tentar um uso mais nobre para o meu tempo. Por que não uma caminhada de volta do trabalho?

Selva de pedra
(Visão da travessia de pedestres na Av. Conde da Boa Vista, no centro de Recife: por incrível que pareça, ainda são minoria os motoristas que param para os pedestres atravessarem na faixa. E os motoqueiros, menos ainda. Clique na foto para conhecer minha galeria de fotos no Flickr)

No Google Maps, descobri que a caminhada para casa era de 3,2km, estimada em 35 minutos. Resolvi tentar. Num dia, fui de carona para o trabalho. Usava jeans, camisa pólo e tênis confortável. Esperava tão-somente trocar o tempo no interior de um veículo por uma atividade física aeróbica, gastando quase o mesmo tempo. De quebra, contribuiria para reduzir o número de veículos em circulação e, também, para reduzir a emissão de CO2 e outros gases nocivos ao ambiente, causadores do efeito estufa. Porém, ganhei mais que isso.

Mal deixei o prédio em que trabalho, caminhando por uma avenida na qual não passaria com o meu carro, encontrei um amigo que há tempos não tinha o prazer de ver. Foram 5 minutos de animada conversa. Me despedi e continuei a jornada. Observei cenas que usualmente não vemos quando no interior de um veículo: a paisagem é diferente, estamos mais perto das pessoas e de tantas coisas interessantes que há nas ruas, vemos os prédios e suas fachadas de ângulos diferentes, e temos uma visão mais privilegiada do céu.

Mas não é só isso. Logo percebi que me entreguei a divagações que não são permitidas quando estamos dirigindo, pois o trânsito reclama maior atenção e esta, por sua vez, gera maior tensão. Caminhando, redescobri o hábito de viajar em pensamento, refletindo sobre o significado de cada cena com a qual me defrontava.

No papel de pedestre, logo percebi o quanto nós motoristas podemos ser egoístas e perigosos, assim como as nossas cidades deixaram de ser das pessoas para serem dos carros.

Cada travessia de avenida representou um verdadeiro desafio, mesmo na faixa de pedestres, pois quase sempre haverá passagem de veículos vindos de um determinado sentido, quando o sinal estiver fechado para um outro. E pernas para que te quero. Isso porque não sou idoso, nem portador de necessidades especiais. Do contrário, seria quase impossível tal deslocamento. Mas este torna-se apenas um inconveniente quando confrontado com maiores benefícios.

No caminho, passei por diversas padarias onde não costumaria parar, pelas dificuldades de estacionar. Sendo um final de tarde, e como estava caminhando, escolhi uma delas para comprar o pão francês nosso de cada dia, diferente daquele encontrado na padaria da esquina de casa. Não tardou e eu estava de volta às ruas, no caminho de casa. A cada passo, as cenas em volta se tornavam mais familiares.

Não demorou muito, cheguei à minha rua e ao meu prédio. Um pouco ofegante, bastante suado. O porteiro logo notou e perguntou de onde eu vinha. Achou legal a iniciativa e comentou que aquilo me faria muito bem. Subi, fiz alguns alongamentos, tomei um banho gostoso e logo estava pronto para continuar a minha rotina diária.

Nas semanas seguintes, repeti a experiência, esperando torná-la um hábito, com as vantagens dos benefícios que pode nos trazer. É bom lembrar que o estilo de vida influencia muito a nossa saúde. Repetindo os trajetos, escolhi melhores locais para atravessar ruas e avenidas, além de calçadas que permitem mais fácil deslocamento.

Alguns colegas de trabalho perguntaram se não era inseguro, temendo assaltos. Comentei que não via qualquer diferença de qualquer outra curta caminhada que tenhamos de fazer, perto de casa. É prudente não ostentar objetos de valor. Além disso, se não ocuparmos nossas ruas, aí sim, estas serão ocupadas por quem não queremos. Enfim, creio ser esta uma boa alternativa para muitas pessoas: saudável e ecologicamente benéfica. Quem puder, experimente passar um dia sem carro.

Espero apenas que os nossos governantes atentem para os problemas do trânsito urbano, buscando solução para o mesmo e, sobretudo, que garantam maior segurança aos pedestres e ciclistas. E que nós, enquanto motoristas, vez por outra nos coloquemos na pele dos pedestres. Assim respeitaremos mais aqueles que se deslocam pelas nossas ruas e avenidas.

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